terça-feira, janeiro 10, 2006

Antologia pessoal 4


"Só os trâmites importam. Eles é que permanecem e não o fim, mera ilusão do caminhante que vai de pico em pico, como se o fim alcançado tivesse um sentido.Assim como não há progesso sem aceitação do que existe. E, se assim é, a vida cifra-se numa perpétua viagem.

Eu cá não acredito no repouso. Se uma pessoa se acha envolvida em determinado litígio e isso a incomoda, não lhe convém tomar a iniciativa de procurar uma paz precária e de má qualidade mediante a aceitação cega de um dos dois termos do litígio.

Julgas que o cedro ganharia em evitar o vento? O vento fere-o, mas alicerça-o. Seria um sábio quem conseguisse separar o bem do mal.

Procuras um sentido para a vida, quando esse sentido está em vires a ser tu próprio, e não em obteres a paz miserável que o esquecimento dos litígios concede.

Se alguma coisa se te opõe e fere, deixa crescer, é que estás a ganhar raízes e a mudar. Abençoado ferimento que te faz parir de ti próprio: porque nenhuma verdade se demonstra, nem se atinge através da evidência. E aqueles que te propõem não passam de arranjo cómodo e assemelham-se às drogas que se tomam para dormir."

"Cidadela", Antoine de Saint-Exupery, tradução de Ruy Belo, Editorial Aster, Lisboa, 1978, pag 132-133.

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